História da Cartografia
Abilio de Castro Gurgel

Desde que terminara a edição da Geographia de Ptolomeu, em 1578, Mercator preparava-se também para confeccionar a sua coleção de mapas. A primeira edição de Ortelius é de 1570, portanto, Mercator estaria atrasado em 8 anos. Politicamente, os Países Baixos viviam em um ambiente de luta entre os protestantes, liderados pela casa de Orange, em Amsterdam, contra o católico rei Felipe II da Espanha, filho do Imperador Carlos V. Naquele momento, esses países aproveitaram para lutar pela sua autonomia e, consequentemente, pela separação da sua região às do Império Espanhol.

Com a proclamação da independência (União de Utrecht, 1579; abjuração da soberania espanhola, 1581), no reinado de Filipe II, seguiu-se uma sangrenta luta pela autonomia. A partir de 1583, o Duque de Parma foi nomeado novo comandante para os Países Baixos Espanhóis e iniciou a reconquista das áreas perdidas para os protestantes. Retomou várias cidades como Gent, Bruges, Brussels e, a mais importante de todas, Antuérpia. Essa região não ficou unida aos protestantes do Norte e recebeu, no futuro, o nome que Julio César havia dado a essa região: Bélgica.

A cidade de Colônia, vizinha de Duisburg, tornou-se calvinista em 1583, trazendo tropas espanholas e a guerra para mais perto de sua cidade. Mercator já passava dos 70 anos! Para o século XVI, em que a mortalidade chegava em torno dos 50 anos, a sua idade era motivo de muita alegria e, ao mesmo tempo, de muita preocupação.

Sua esposa, Barbie, faleceu em 1586. Não se sabe quais seriam as razões de sua morte, mas as condições sociais em Duisburg, por causa da crise militar, eram críticas. Um ano depois, o filho Arnold, com 49 anos, também faleceu e assim, ele perdeu um de seus mais próximos colaboradores. Como compensação, os filhos de Arnold, seus netos Gerard e Jean, começaram a trabalhar com Mercator junto com seu outro filho Rumold.

Esse longo período de gestação de seu futuro Atlas talvez seja o ponto chave para distingui-lo do Theatrum. Como já foi mencionado, Ortelius “juntou” os melhores mapas que havia naquele momento, mandou regravá-los em forma padronizada e os ofertou ao mercado. Ortelius chegou a colocar duas diferentes descrições da mesma região, no mesmo livro, para que o leitor pudesse ter opções conceituais. Mercator, por outro lado, como indicam os registros, foi o único autor de todos os seus mapas. Reuniu informações de uma variedade de fontes, incluindo as de outros cartógrafos e geógrafos de várias regiões e idiomas, mapas de diversos autores, relatos de viajantes, mas a decisão da composição final da carta cartográfica era sempre sua.

Além disso, o seu Atlas teve alguns mapas desenhados na mesma escala, para que as de regiões limítrofes, pudessem ser colocados juntos e formar um mapa de parede. Contudo, as melhores qualidades de sua nova obra estavam na clareza visual e na regularidade gráfica. Talvez pela idade avançada, resolveu não esperar para ter todos os mapas que pensava reunir e, dessa maneira, publicou uma primeira parte, em 1585, cobrindo as regiões da França, Países Baixos e Germânia, totalizando 51 mapas. A obra possuía um apêndice com “Conselhos em como usar mapas” onde era detalhado, de forma bem acadêmica e sistemática, a questão da latitude e da longitude, sua relação em graus e um lembrete para os novatos que “cada grau é dividido em 60 partes, chamados minutos”.

Na descrição do mapa da França, Mercator relembrou que Júlio Cesar havia dividido a Gália em Céltica, Aquitânia e Bélgica e incluiu um mapa para cada uma dessas regiões. Nos Países Baixos, criou uma seção com 9 mapas chamada Belgii Inferioris, que seria a região de Flandres. Outra razão que talvez o tenha ajudado a lançar antecipadamente a primeira etapa de seu compêndio era que Ortelius publicava sua obra em fascículos que podiam ser comprados separadamente e reunidos posteriormente em um só volume.

A segunda parte do Atlas foi publicada em 1589 e possuía uma coleção de 22 mapas que, infelizmente, estava limitada à Grécia, Itália e Península dos Balcãs. Entretanto, deixou um aviso para o “Gentil Leitor” que esses últimos mapas faziam parte de uma sistemática visão do mundo, pois Ptolomeu já dizia que “os mapas deveriam aparecer progressivamente do Oeste para o Leste e do Norte para o Sul”, de modo que nada entre as partes fosse omitido. Em maio de 1590, enquanto preparava a terceira e última parte do Atlas, sofreu o primeiro enfarte que afetou sua fala e o lado esquerdo do corpo. Porém, o fato não o impediu de observar a continuidade do trabalho realizado por seu filho, Rumold, e seus netos.

Mercator foi acometido por uma hemorragia cerebral em 1593 e em 2 de dezembro de 1594 veio a falecer. Poucos meses depois, seu filho Rumold acompanhou a impressão da parte final do Atlas.

Essa obra é iniciada com sua biografia escrita, após sua morte, por seu amigo e vizinho, Walter Ghim , intitulada Vita Mercatoris (a vida de Mercator). Há, também, um ensaio filosófico escrito pelo próprio Mercator, nos últimos anos de vida, De Mundi Creatione ac Fabrica. Havia um total de 28 mapas, entre eles, da Inglaterra e das regiões norte da Europa, feitos ainda pelo próprio Mercator, um do mundo e um do continente europeu, confeccionados por seu filho Rumold, um do continente africano e da Ásia produzidos por seu neto Gerard e um mapa da América executado por seu outro neto, Michael. Entretanto, faltavam mapas de Portugal e Espanha para que a Europa estivesse completa.

Naquele mesmo ano, Rumold publicou uma edição completa com os 79 mapas anteriores, mais os 28 da última edição, de modo que a obra de seu pai ficasse completa. Nessa edição, foi colocada a imagem de Atlas, que conforme se sabe é o Titã mitológico grego condenado por Zeus a sustentar a Terra para sempre. A representação gráfica, na maioria das vezes, era retratada por essa figura mítica sustentando um globo sobre os ombros.

No prefácio de sua obra filosófica, Mercator explicou que um dos descendentes desse Titã, Atlas, tinha sido um mítico rei da Mauritânia e, de acordo com a lenda, era um sábio, matemático e astrônomo. Supostamente, foi ele o primeiro entre os homens que criou o globo terrestre (alguns autores falam em “primeiro, entre os homens, que descreveu a esfera”).

O nome dessa obra intitula-se “Atlas sive Cosmographicae Meditationes de Fabrica Mundi et Fabricati Figura“ (Atlas ou Meditações Cosmográficas da Criação do Mundo e a Forma da Criação).

No entanto, não se pode considerá-la acabada, pois faltaram os mapas de Portugal e Espanha, além dos mapas regionais de outros continentes. Rumold, agora o responsável pela oficina de Mercator, planejava a execução desses mapa com a inclusão do terceiro continente. chamado na época de “Terras de Magalhães” ou Terras Australis.

O filho de Mercator não herdou a longevidade do pai, e, infelizmente, morreu em dezembro de 1599. A terceira geração da família tentou reviver o Atlas, com nova edição em 1602 utilizando os mesmos 107 mapas e um texto reescrito. As vendas foram aquém do esperado.

A comparação com o Theatrum de Ortelius, naquela época com 12 edições expandidas, era muito forte.

A família já havia vendido a sua biblioteca para uma loja de livros em Leiden, nos Países Baixos, em 1604. Restaram serem vendidas as placas de cobres onde estavam gravados os mapas feitos por Mercator.

O comprador era um cartógrafo e editor de Amsterdam, Jadocus Hondius (1563-1612) que, sem perda de tempo, publica, em 1606, Gerardi Mercatoris Atlas sive Cosmographicae Meditationes de Fabrica Mundi. Continha os 107 mapas de 1602 mais 37 novos mapas feito por vários autores (empregando o conceito de Ortelius), mas gravados por Hondius.

Havia 7 mapas da Península Ibérica que estavam faltando desde a primeira edição, mais 4 da África, 11 da Ásia e 5 da América. Foram incluídos, também, 6 novos da Europa que ganharam um espaço maior. Hondius ainda colocou mais 4 novos mapas de continentes, sem retirar os antigos, tornando essa obra um Atlas mais completo para competir com o “ livro de mapas” de Ortelius.

Nessa edição, reconhecendo a importância e o valor do nome de Mercator e ao mesmo tempo, querendo valorizar-se, coloca-se como editor e Mercator como autor. Além disso, aplicou nas páginas do Atlas uma gravura com Hondius e Mercator trabalhando juntos, porém esse fato nunca aconteceu.




A primeira versão em outro idioma, o francês, ocorreu em 1609 e foi considerada como uma terceira edição. A Editio quarta surgiu em 1611 com um total de 150 mapas. Hondius adotou a estratégia de Ortelius fazendo algo mais comercial e palatável, destinando-a a um número maior de leitores. Esse novo modelo pareceu ter dado certo.

Para baixar o custo, Hondius seguiu, novamente, o exemplo de Ortelius que havia editado uma versão menor em tamanho chamada de Epitome, com uma dimensão de 8 por 11 centímetros.

Aproveitando-se do nome Atlas, pôs à disposição o Atlas Minor, em 1607, com uma dimensão de 16,5 por 21,5 centímetros, com praticamente o mesmo texto, abrindo um outro novo espaço, com preço mais aceitável, para os apreciadores de mapas.







Com a morte de Jadocus Hondius, em 1612, seus filhos e sucessores continuaram o trabalho. De 1609 a 1641 foram publicados mais de 29 edições em latim, francês, holandês, alemão e inglês, sempre adicionando novos mapas.

A partir de 1630 Henricus Hondius, neto de Jadocus, juntamente com seu genro Joannes Janssonius entraram em uma disputa com Willem Janz Blaeu e, posteriormente, com seu filho Joan Blaeu. Essa competição fez com que cada edição, de cada casa editora, fosse cada vez mais elaborada e melhor produzida.

A partir de 1700 existiam muitos editores de Atlas e o termo estava conceitualmente bem difundido e definido como uma coleção de mapas.

Os mapas deixaram de ser artigo de luxo para nobres ou específicos para navegadores e começaram a ser comprados pela nova classe de burgueses e comerciantes que estava surgindo e crescendo naquele contexto.