A segunda forma pela qual a cartografia apresentou-se na Europa Medieval foi por intermédio das Cartas Portulanas. Campbell, responsável pelo setor de mapas medievais da British Library, explica que para o historiador da cartografia medieval europeia, as cartas portulanas seriam documentos fundamentais, de grande importância, entretanto, “misteriosas” na sua origem, contudo, “precoces em sua precisão”.
Existem grandes controvérsias a respeito da origem das cartas Portulanas. Alguns autores e estudiosos do assunto chegam a afirmar que Estrabão, Agathemerus e Plínio foram citados como fontes, e que essas cartas já eram usadas desde os tempos antigos. Há autores que detectaram traços do trabalho de Marino de Tiro e até de Eratóstenes (autor no terceiro século antes de Cristo, como já visto) nessas cartas medievais.
Entretanto, há um registro escrito de 1270, mostrando ao rei francês Luis IX uma carta náutica para que ele se certificasse de que havia um navio perto da costa. A carta portulana mais antiga, conservada até nossos dias, é a Carta Pisane, datada aproximadamente do final do século XIII (cerca de 1290). Possui esse nome porque foi comprada de uma família de Pisa. Acredita-se que o desenho seja originário de Gênova, pois as cidades registradas no mapa possuem nomes em dialetos italianos. Contudo, deve-se considerar que somente esse fato não garante a procedência genovesa.
Das, aproximadamente, 180 cartas e mapas conservados atualmente e que podem ser atribuídos ao século XIV e XV, as evidências indicam que somente uma fração da produção é original e não, necessariamente, representativos do que havia na época.
Monmonier lista quatro características das cartas:
1) Uma rede entrelaçada de linhas de rumo (ver capítulo 3) originadas a partir de uma rosa-dos-ventos principal, que entrecruzava com outras linhas que partiam de rosas acessórias, dispostas ao redor da primeira. Essas linhas serviam aos marinheiros para traçarem o rumo de um lugar a outro de forma alinhada à bússola.
2) A abundância de localidades (vilas, cidades e portos) escritas perpendiculares à costa, mas em terra, para evitar conflito com os acidentes geográficos (ilha, baia, istmo, canal e outros).
3) O código de cores em relação a nomes e direções. Locais importantes eram legendados em vermelho e os locais menos significativos em preto. As linhas de rumo em preto eram ligadas à rosa-dos-ventos principal e, em vermelho, às acessórias.
4) Um sistema funcional de advertência, em que um círculo chamava a atenção para irregularidades da costa, uma cruz ou um ponto para rochas ou bancos de areia.
Essas cartas náuticas, tal como os manuscritos da época, eram feitos em pele de animal tratada, geralmente em peça única (bezerros ou carneiros), conservando a pele da parte do pescoço para, nesse espaço, desenhar o local em que o Mediterrâneo afunilava ao atingir o Atlântico. Como vantagem adicional, as cartas eram flexíveis o suficiente para serem enroladas, ficando assim melhor armazenadas.
Pode-se distinguir três grupos de cartas portulanas de acordo com suas origens: as italianas, elaboradas, principalmente, em: Genova, Veneza e Roma; as catalãs, com Palma de Maiorca como centro de produção mais destacado; e as portuguesas, de certo modo derivadas das catalãs.
Essas cartas não possuíam projeção matemática nem um conjunto de coordenadas geográficas (latitude e longitude). Entretanto, possuíam tudo que um piloto necessitava para navegar pelo Mediterrâneo, Mar Negro e costas do Atlântico até as ilhas britânicas.Um dos poucos exemplos de um mapa, na época medieval, onde houve a preocupação de colocar-se um sistema de projeção cartográfica, seria o mapa do frade inglês Roger Bacon (1214-1294).
No apêndice de seu livro Opus Majus (1268), descreve um mapa que não sobreviveu até nossos dias, demonstrando a clara ideia do valor de usar-se o sistema de coordenadas para transformar locais em pontos.
Nas palavras do frade inglês: “...eu irei marcar as famosas cidades e suas localidades por sua distância em relação ao círculo equinocial, o qual eu chamarei de latitude da cidade ou região e a distância do oeste ou do leste a qual eu chamarei de longitude da região.”