Eratóstenes (276-196 a.C.) é conhecido atualmente pelos livros em geral, como “o homem que mediu a circunferência da Terra”. Outros antes dele já haviam tentado esse feito, mas não se sabe o quê e como exatamente conseguiram.
Foi vantajoso para os estudos de Eratóstenes o fato de que o mundo de sua época já estava bastante transformado e com maiores dimensões, principalmente com as conquistas de Alexandre (336-323 a.C) que trouxeram novos territórios (Pérsia até o rio Indus e Egito) e uma fonte imensa de novas informações geográficas. Quando Alexandre morreu, conforme se sabe, seu império foi dividido em três partes entre seus comandantes.
Dessa divisão, o Egito tornou-se um feudo do comandante macedônico Ptolomeu I. Começou a dinastia Ptolomaica a qual governou o Egito até a conquista por Roma, em 30 a.C., com a morte de sua última descendente, Cleópatra.
Lembrando que o tutor de Alexandre era Aristóteles e que o comandante Ptolomeu fazia parte dessa corte macedônica, convém destacar que a valorização do pensamento e do conhecimento eram assuntos de alta relevância.
A capital era a recém-fundada cidade de Alexandria. A dinastia Ptolomaica, principalmente os seus três primeiros reis, Ptolomeu Soter, Filadelfos e Evérgeta, que reinaram por quase um século (323-222 a.C.) promoveram, além de estabilidade política e econômica, um grande desenvolvimento cultural que culminou com a criação do “Templo das Musas”. Ptolomeu I Soter transformou esse templo no Museu Alexandrino e, posteriormente, Ptolomeu II, Filadelfos, na famosa biblioteca de Alexandria.
De acordo com Cristina Machado, em um ensaio sobre o assunto, coloca o seguinte ponto de vista:
Os novos soberanos do Egito queriam “compensar sua marginalidade geográfica por uma centralidade simbólica: toda a memória do mundo deveria ser depositada na biblioteca real dessa cidade”. Como se pode ver, o conceito de biblioteca nada tinha a ver com o de hoje, ou seja, não se tratava de salas de leitura com fins de difundir o saber na sociedade. Tratava-se de um espaço que, além de biblioteca, acumulava as funções de museu, zoológico, observatório, escritório de tradução e instituto de pesquisa, cujo principal objetivo era acumular todo o saber do mundo.
Os estudiosos estimam que em seu apogeu a famosa Biblioteca tenha chegado a possuir entre 500.000 a um milhão de manuscritos, pergaminhos e papiros nos mais diversos idiomas da Antiguidade. Há afirmações, talvez lendárias, de que toda e qualquer obra literária que chegasse à cidade de Alexandria, deveria, obrigatoriamente, ser levada à Biblioteca. Desta forma, seria copiada e a cópia entregue ao proprietário. A Biblioteca ficaria com o original, mostrando, então, a preocupação em aumentar e reter o conhecimento.
Jacob, ao questionar a respeito do poder dos livros em nossa sociedade, afirma:
A política tradutória da Biblioteca de Alexandria complementou o processo de helenização do mundo antigo, escrevendo em grego a sua memória. Para garantir a tradução dos textos sagrados hebreus, por exemplo, mais de 100 mil judeus foram libertados e, Jerusalém enviou 72 eruditos, seis de cada uma das 12 tribos de Israel, para Alexandria. A tarefa foi realizada em 72 dias. Esta foi a primeira tradução do Velho Testamento de que se tem notícia, a chamada Septuaginta.
Alexandria e sua Biblioteca, sob essa perspectiva, são importantes para esta pesquisa. Eratóstenes foi um dos Livreiros (chefe responsável) desse vasto acervo cultural. Ele nasceu em Cyrene, cidade grega no norte da África. O Suda declara que seu nascimento ocorreu na 126ª Olimpíada (276–272 a.C.) e que, para seus contemporâneos, era conhecido como o Beta, pois o consideravam o segundo melhor do mundo, tal qual um “segundo Platão”. Morreu aos cerca dos 80 anos de idade. Eratóstenes ficou conhecido por duas obras de geografia: A medição da Terra e Geográfica.
Estudou em Atenas voltando a pedido de Ptolomeu III para ser tutor de seu filho e logo depois se tornou “Livreiro“ da Biblioteca de Alexandria. No entanto, Hiparco fez várias e severas críticas a ele, inclusive em um texto chamado: Contra a geografia Eratóstenes.
É consenso entre os especialistas, dentre os quais Roller, que o estudo da Geografia começou com Eratóstenes e a publicação de seu livro Geográfica. Inclusive, a terminologia das palavras geografia e geógrafo vieram do termo: “escrever (sobre) a Terra”, baseada em seus escritos e conceitos.
Antes de Eratóstenes, os estudos geográficos concentravam-se, especialmente, em questões relativas à superfície da Terra, no processo de sua formação, em sua estrutura e na sua forma, mas foi este estudioso que juntou as divergentes correntes de pensamento em um campo de conhecimento integrado.
Eratóstenes, também, denominou Homero como o “primeiro geógrafo” . Evidências indicam que o geógrafo talvez quisesse exemplificar em uma pessoa o seu novo termo (geografia). Inclusive, tudo indica, por Homero ter escrito sobre um possível mapa no escudo de Aquiles, na Ilíada, o qual seria a primeira citação sobre mapas.
É importante salientar a respeito das obras de Eratóstenes, que todo conhecimento é originário de outros autores. No caso da Geográfica soube-se muito por Estrabão em seu livro chamado Geografia.
No entanto, quando os gregos, a partir do século XVIII a.C., desbravaram e conquistaram novas regiões no Mediterrâneo e no Mar Negro, a importância da localização, do clima e dos acidentes geográficos começaram a ter relevância muito maior do que apenas cultural e literária.
Eratóstenes conhecia e entendia matemática. Afirma-se que Arquimedes visitou Alexandria no tempo em que ele era o Livreiro-mor e que teve contato com sua obra Os Elementos, assim como com seu breve trabalho Fenômeno, que é especificamente aplicado às esferas espaciais. Dessa forma, pode-se concluir seu domínio no assunto.
De acordo com Estrabão, ele tinha conhecimento a respeito de poesia, gramática, filosofia e geometria. Com essa erudição e conhecimento, provavelmente, deve ter se sentido mais confiante ao escrever o tratado A medição da Terra, no qual elabora seu método de calcular a circunferência da Terra. Um feito tão completo e, ao mesmo tempo, tão profundo que permanece como uma das mais surpreendentes peças do pensamento humano desde a Antiguidade.
Nessa perspectiva, através de outro astrônomo grego, Cleómedes , sabe-se como foi o método de cálculo de Eratóstenes para descobrir a circunferência da Terra. Primeiramente, assumiu que o Sol estava tão distante da Terra que seus raios seriam paralelos em qualquer parte dela. Era conhecida a informação de que a cidade de Siena (atual Assuã), no vale do Nilo, estava distante cerca de 5.000 estádios (800 km) ao sul de Alexandria.
Sabia-se, também, que ao meio dia do solstício de verão (o dia mais longo do ano no hemisfério norte - 21 de junho), raios verticais não projetavam qualquer sombra, ou seja, o Sol situava-se a prumo.
Em Alexandria, na mesma data, ao meio-dia, os raios projetavam sombras suficientemente grandes para que não houvesse dúvidas de que as coisas se comportavam de forma bem distintas da cidade de Siena.
O ângulo que o raio do Sol fazia com a vertical em Alexandria era exatamente o ângulo sobre um círculo máximo da Terra entre Alexandria e Siena. Pela projeção da sombra representaria aproximadamente 7º, isto é, 1/50 de 360º.
Portanto, a circunferência da Terra deveria ser 50 vezes a distância entre Alexandria e Siena (50x 5.000 = 250.000 estádios). Mais tarde estendeu o valor para 252.000 estádios com o objetivo de obter um número divisível por 60, ou em outra forma numérica, 1 grau = 700 estádios.
O estádio, originalmente, era a distância que cobria um arado antes da virada.
Existe uma disputa muito grande entre os estudiosos quanto ao exato tamanho do estádio que variou no tempo e nas diferentes regiões (estádio grego, egípcio, romano, e outros). Supondo o estádio grego olímpico com 176,6 metros, ter-se-ia a circunferência de 45.000 km, sendo que o valor atual estimado é de 39.690 km ou 14% para o valor hoje estabelecido. Porém, se fosse o estádio egípcio (157,5m), a diferença seria de apenas 1% !.
Ressalta-se, inclusive, que Assuã não estava exatamente sobre o mesmo meridiano de Alexandria, mas sim a 3 graus a leste, e nem perfeitamente sobre o Trópico de Câncer, mas um pouco ao norte. No entanto, essas diferenças não são importantes. A importância está na ideia de que o astrônomo baseou-se no conceito de que a Terra era redonda e que foi aplicado um método geométrico para calcular os valores.
A possibilidade desse conhecimento tem três importantes consequências:
1) Seria possível trabalhar com a geometria para calcular valores geográficos;
2) Diferentes latitudes, encontradas pelo método gnômico expressas em fração do círculo, poderiam ser convertidas em estádios;